Numa Sala Superior
Os anos que Jesus gastou tentando ensinar e treinar aqueles doze foram uma experiência desanimadora. Como eram lerdos S impenetráveis para o ensino! Todo o seu arsenal didático, composto por milagres, parábolas, exemplos pessoais, sermões, conversas particulares, orações e explicações, não tinha conseguido fazer com que entendessem a verdadeira natureza do Rei e do reino. O que de fato aprenderam era que, se ele fosse o rei, eles seriam os maiorais de seu império. Agora, restavam apenas poucas horas para a traição e para a crucificação. Parecia impossível que esse grupo de "crianças" imaturas e incompreensivas se desenvolvessem em líderes da categoria de apóstolos. Mesmo ao entrar na sala em que celebrariam a última Páscoa, eles tentaram disputar entre si os melhores lugares na mesa. Parece que nenhum deles tinha aprendido nada sobre ser servo.
Tão perto estavam da cruz e havia tanto ainda para lhes ensinar, mas eram imaturos demais para aprender. Tão próximo da cruz, ele precisava de um amigo. Precisava de compreensão. Precisava ver que a sua obra tinha preparado um grupo de primeira categoria de mestres bem treinados, ávidos e sábios S homens capazes de conquistar o mundo com o evangelho salvador.
Mas, ao sentar-se para observá-los, a cruel realidade pesava em seu coração. Ele os viu resmungar, olhar atravessado um para o outro, sussurrar e murmurar enquanto disputavam o melhor lugar. Eram insensatos, negligentes, incompreensivos, impulsivos, carnais, egoístas e orgulhosos. Eram arrogantes e fizeram julgamentos precipitados. Apesar de tudo o que ele tinha ensinado, eles só aprenderam vislumbres breves de sua verdadeira natureza e de seu verdadeiro propósito. Antes de encerrar a noite, já o teriam interrompido sete vezes (João 13:25,36-37; 14:5,8,22; 16:17-18,29), e ele já teria predito a deserção de todos eles. Se ele não soubesse "a natureza humana" (João 2:25) e o que esses ainda poderiam vir a ser, certamente se chocaria, ficando deprimido e sentindo-se fracassado. A última noite com eles começou de uma forma péssima.
Enquanto competiam a glória, ele se levantou. Falar mais não adiantaria, mas ele precisava repreendê-los. O movimento dele em direção à água e à toalha chamou a atenção de alguns deles. Mas quando se ajoelhou para lavar os pés de Pedro, todos ficaram pasmos e foram paralisados momentanea-mente. Sem dúvida eles entenderam a repreensão e se sentiram imediatamente humilhados por causa da culpa deles. De forma típica, Pedro compensou exageradamente protestando com impulsividade S talvez sem graça por ter sido pego em seu egoísmo orgulhoso. Sendo repreendido de novo, Pedro mais uma vez reagiu com exagero ("Não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça", João 13:9). Jesus não o tratou com delicadeza nem desistiu. Disse firmemente a Pedro que seria os pés, somente os pés, e o porquê (João 13:10). E, mais tarde, quando Pedro gabou-se que ele jamais negaria o Senhor, Jesus disse (em efeito): "Pedro, você tem boas intenções, mas é tão fraco. Satanás está para te conquistar de vez" Pedro podia, às vezes, ser tão irritante. Será que Jesus alguma vez quis dizer: "Pedro, cale a sua boca . . . abre o seu entendimento . . . e amadureça!"
Sim, Jesus prosseguiu e instituiu a Ceia, assegurando a esses homens o consolo contínuo do Espírito e fazendo a famosa oração antes de levá-los ao Getsêmani. Apesar das falhas deles e das frustrações que se seguiram, Jesus tinha escolhido esses homens, não pelo que eram, mas pelo que poderiam vir a ser. Ele sabia que os acontecimentos das horas que imediatamente se seguiriam e a próxima visita que lhes faria três dias depois transformariam a vida deles, e os encheria de um espírito inabalável de entendimento, fé, compro-misso e sacrifício. Todos os esforços dele finalmente se uniriam para fazer deles os melhores líderes do reino. A última ceia, então, foi a última lição deles antes de se formarem, saindo do grau de fraqueza infantil para o de grandeza apostólica.
- por Royce Chandler